2012/01/23

 

Um «protexto» pela mobilidade:
proposta de melhoria na gestão do estacionamento
na Universidade de Coimbra

Adelaide Chichorro Ferreira

Presidente do Núcleo de Coimbra da Quercus
– Associação Nacional de Conservação da Natureza


                                Coimbra, 16.5.2011


Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra,


Gostaria que se dignasse dar a melhor atenção ao assunto descrito no presente texto, que resulta de, enquanto professora universitária e simultaneamente na qualidade de Presidente do núcleo de Coimbra da Quercus, constatar que um ambiente de constantes protestos se torna por vezes impeditivo de que se exerçam direitos e deveres cívicos e de que se faça o que é urgente fazer à pequena escala dos detalhes relevantes (que não é, sabemo-lo bem, a dos meros chavões propagandísticos).
Felizmente a democracia é fértil em modalidades de participação alternativas ao protesto, pelo que este não deve ser lido como um texto contra, mas antes em prol da resolução de problemas como o da mobilidade na zona da Universidade. Trata-se de um «protexto», digamos assim, uma vez que configura uma proposta a ser melhorada por quem para isso detém as competências mais adequadas. E o problema que constato, tanto por experiência própria como pela leitura da imprensa e através de conversas informais com outros colegas de núcleo, é o seguinte:
Muitos estudantes queixam-se de lhes faltar o dinheiro das bolsas, reivindicando aquilo que se torna cada vez mais improvável, o fim das propinas. Ora, atualmente são também muitos os estudantes que se deslocam de automóvel para a universidade, mesmo existindo o luxo subaproveitado de muitos autocarros circulando quase vazios na zona, facto que coloca depois a empresa que os gere em maus lençóis para manter adequadamente carreiras em zonas menos centrais, onde os autocarros são velhos e avariam com muito mais frequência.
Há, de resto, muitos lugares de estacionamento em diversas zonas dos pólos universitários, sendo que, concretamente no Pólo 1, que de todos é o que se encontra mais congestionado,
a) em alguns parques, todos eles pagos, os lugares disponíveis destinam-se exclusivamente a funcionários;
b) no restante e amplo espaço circundante desses mesmos parques, destinam-se ao público em geral, sendo frequentemente ocupados por turistas ou por funcionários que trabalham na Baixa e não pela população universitária em si;
c) e finalmente um número restrito de lugares são pagos, especialmente ao longo da rua Padre António Vieira ou da Avenida Sá da Bandeira.
Ora, em tempo de severa crise económica, não deixa de ser criticável que, para muitas pessoas que não têm quotidianamente outra hipótese senão deslocar-se de carro (pessoas com filhos pequenos ou com a necessidade de transportar objetos volumosos como livros, computadores ou compras), o estacionamento nos sítios descritos em c) seja tão dispendioso: ao que apurámos, cerca de 1 euro por cada hora. Um aluno ou professor que tenha de permanecer 5 horas na Universidade por dia, usando esse estacionamento acaba por gastar entre 25 e 30 euros por semana, isto é, cerca de 100 euros ou mais por mês, fora os custos crescentes com a gasolina e com a manutenção do automóvel. Portanto, ou é rico ou ficará com muito menos dinheiro para se alimentar e adquirir os seus materiais de trabalho e de estudo. 
O problema torna-se mais gritante se constatarmos que o estacionamento é pago na rua Padre António Vieira e na Avenida Sá da Bandeira, mas inexplicável e discriminatoriamente já não o é ao longo dos Arcos do Jardim, na Praça D. Dinis, em frente à Sé Nova, entre a Faculdade de Medicina e a de Letras, junto ao Instituto Justiça e Paz, ao longo do edifício das Químicas, Físicas e Matemáticas, etc. Acresce que esses lugares não pagos costumam estar permanentemente tomados, desde as 8h da manhã até ao fim da tarde, uma vez que muitos optam por chegar cedo e deixar o carro estacionado todo o dia, a custo zero, nessas zonas.
Quem necessite de se deslocar à Universidade por períodos curtos (por exemplo, professores e estudantes estrangeiros, alunos de outras regiões do país, turistas), ou não consegue estacionar e desiste, ou leva mais alguém consigo que possa ficar à espera sem fazer nada, com o carro estacionado em segunda fila, ou então gasta muita gasolina andando às voltas na esperança vã de que um lugar fique vago.
Muitos já nem vêm às aulas e recorrem estritamente à comunicação via computador, ficando portanto privados do contacto direto com colegas, funcionários e mesmo com os livros e outros equipamentos das bibliotecas, salas de estudo e laboratórios, o que consideramos não ser nem produtivo nem ecológico.
Turistas que se encontrem de passagem por Coimbra e que queiram, durante períodos de uma ou duas horas, visitar algumas das preciosidades que se encontram na zona, ficam também muitas vezes impedidos de o fazer, não porque não pudessem pagar o estacionamento ou os ingressos em museus, mas simplesmente porque não têm lugar para deixar o carro. Tudo isto representa uma perda enorme de eficiência, de produtividade, de projeção regional e internacional e até de receitas, mas é uma das consequências perniciosas da nossa dependência do automóvel.
Por isso mesmo urgia redigir o presente texto, que, como se afirmou acima, contém também uma proposta construtiva. É que, ao mesmo tempo que isto sucede, com o perigo de insucesso e de abandono escolar que a situação descrita também implica, verifica-se nas ONGs e também noutras instituições, por certo, uma clamorosa falta de braços para ajudar numa miríade de tarefas que em muito poderiam contribuir para aumentar a qualidade do espaço urbano daquela e de outras zonas, tornando-o mais atrativo: sabemos que há áreas verdes que necessitam de ser cuidadas, que alguns muros deviam ser periodicamente pintados, que as bibliotecas deviam poder estar abertas até mais tarde, com a devida (mas cara) supervisão, que há que prevenir incêndios ou ajudar idosos e crianças, etc. Assim, a própria Quercus agradeceria se as instituições da sua zona de influência disponibilizassem uma bolsa de voluntários que connosco quisessem colaborar em pequenas tarefas, nem que fosse a troco da possibilidade de um mais cómodo estacionamento.
 Perante três assuntos que só aparentemente nada têm a ver uns com os outros (uma discrepância artificial e incompreensível de preços no estacionamento na zona da universidade; graves problemas financeiros da população universitária; a necessidade de mais gente em programas de voluntariado, que garantam o bom funcionamento das instituições), o que há a fazer é «misturá-los» no sentido de que os problemas mais prementes se resolvam.
A proposta que o núcleo da Quercus de Coimbra faz é a seguinte: posta de lado que está a ideia de se construir mais um parque de estacionamento (dificilmente o Estado o poderia neste momento fazer, e seria dinheiro mal gasto aplicá-lo por privados em tal empreendimento), importa que o estacionamento pago na zona da Alta universitária se distribua de forma mais ampla mas também de modo equitativo e justo, permitindo uma maior acessibilidade e rotatividade na utilização do espaço.
As instituições envolvidas (Câmara Municipal, Universidade de Coimbra, gestores dos monumentos aí localizados – Sé Nova e Sé Velha, Museu Machado de Castro, Museu da Ciência) deveriam procurar entender-se quanto a um preço adequado a pagar pelo estacionamento disponível, embaratecendo-o em alguns lugares e tornando-o pago em muitos outros. Deveriam também concordar em que se estendesse a colocação de parquímetros a toda a zona da Alta Universitária, ativáveis mediante um cartão semelhante aos cartões multibanco ou de fotocópias, que seria carregado com algum dinheiro e e além disso com um sistema de pontos correspondentes a horas de trabalho voluntário (análogo ao que existe em muitas lojas, a fim de suscitar abatimentos nos preços).
Ou seja: as instituições que necessitassem de voluntários para determinadas tarefas recorreriam a uma bolsa criada e gerida de forma centralizada e contabilizariam depois essas horas para carregar os cartões a usar nos parquímetros. Quem não se voluntariasse obviamente que também pagaria um preço justo pelo estacionamento, menos elevado, espera-se, do que nas poucas zonas onde ele atualmente é pago. Por cada hora de trabalho voluntário obter-se-ia uma redução clara no preço do estacionamento  e com o tempo talvez se pudesse estender o sistema de pontos obtidos em voluntariado ao financiamento de despesas com transportes ou com cantinas.
O alargamnento da área de parquímetros acabaria por compensar o abatimento de preços alcançável mediante os programas de voluntariado, e por isso esta proposta só será exequível se se olhar para aquele território de forma integrada. É claro que a introdução dum sistema deste tipo exige algum investimento inicial. Mas talvez se ganhasse muito na eficiência e atratividade das instituições por ele servidas, através duma melhor articulação do que já existe, com benefícios para todos.
Assim se arrecadaria, justamente aliás, algum dinheiro extra por parte das instituições públicas, caso os utentes insistam em utilizar o automóvel privado sem a contrapartida cívica que o seu usufruto deve implicar para toda a comunidade. E não haveria cidadãos de primeira e de segunda: mesmo quem tem dinheiro para ter um carro é solicitado a dar o seu melhor em prol da cidade que lhe fornece o espaço para estacionar, ainda que esse seu contributo se fique pelo pagamento do estacionamento e respetiva libertação do espaço para os demais utentes. Se outras instituições da cidade, com as quais a zona em causa necessita de poder comunicar de forma eficiente, se unissem na promoção de esquemas deste tipo, mas compatíveis entre si (a zona dos Hospitais da Universidade de Coimbra ou do Pólo II, por exemplo), muito melhor partido tiraríamos todos dos espaços e equipamentos que atualmente existem.
Perguntará porventura o sr. Reitor (que como sabemos tem sido um ambientalista empenhado), ou perguntarão outros estudiosos e simples interessados nestes assuntos: será este, afinal de contas, um mecanismo de promoção do uso do automóvel no centro da cidade, e portanto algo que se poderia considerar pouco ecológico?
Em vez de lugares pagos de estacionamento para automóveis, não se deveria antes disponibilizar zonas de estacionamento para bicicletas (uma vez que a crise já está a levar a que muitos abandonem de todo a perspetiva de andar de carro)?
Não se deveria abandonar de todo a utilização do automóvel nas zonas universitárias, devido à poluição, e optar muito mais pelos transportes públicos?
A utilização de cartões magnéticos para uma vasta gama de atividades do quotidiano é segura do ponto de vista da necessária e obviamente imprescindível privacidade dos cidadãos?
Não temos por agora respostas a estas questões. Cremos, no entanto, que esses são assuntos diferentes, se bem que não menos importantes, e não é nossa intenção com este texto contribuir para a resolução de tudo ao mesmo tempo. Só a análise cuidada dos resultados efetivos duma proposta algo minimalista como a que aqui fazemos poderia elucidar-nos quanto a esses outros aspetos do problema global.
Na verdade, a proposta, em si, não se encontra inserida na gaveta da «mobilidade urbana», como costuma fazer-se (que aliás incluiria ainda a questão do Metro, dos transportes públicos, do elevador ou eventuais elevadores da Alta, etc). As medidas aqui sugeridas visam resolver apenas uma parte do problema e inserem-se muito mais numa outra gaveta, de que bem menos se fala: a da eficiência comunicacional.
É sobretudo dela que necessitamos, cada vez mais, para se poder pagar o justo preço à sociedade que o recurso a veículos automóveis acarreta, preço esse que não se resume ao das emissões, matérias-primas, energia gasta e espaço de estacionamento, mas também ao do bloqueio contínuo, e não pago, que a atual falta de acessibilidade à Alta está porventura a causar a um melhor, mais eficiente, mais rico e diversificado usufruto da cidade, quer pelos que cá trabalham, quer pelos que cá se deslocam, vindos de fora.
É óbvio que por voluntariado se entende em primeira linha atividade não remunerada, em prol do bem comum. No entanto, verifica-se que nos tempos de crise que vivemos são raros os idealistas que se envolvem em tarefas dessa natureza sem daí extraírem algum benefício pessoal. E claro que que os benefícios a obter com programas de voluntariado são, em primeira linha, os da comunidade como um todo, mas tal objeção não deve implicar que cada um não possa ser mais eficazmente incentivado a colaborar.
A diferença no que aqui propomos é que os benefícios auferidos por tarefas de voluntariado não se traduziriam necessariamente em ganhos em dinheiro, mas antes «em géneros»: designadamente os que resultam da criação de condições de eficiência na articulação de esforços entre diferentes entidades para que o quotidiano normal de cada um se torne muito menos dispendioso, mas sem perda ou mesmo com significativos aumentos de qualidade e de conforto.
Estamos convictos de que a Universidade de Coimbra dará a melhor atenção a esta nossa proposta. Em nome da Quercus apresentamos-lhe, e a toda a sua equipa, os nossos melhores cumprimentos e votos de bom trabalho.



Adelaide Chichorro Ferreira
Presidente do núcleo de Coimbra da Quercus

1 comentário:

Silenciosamente ouvindo... disse...

Li atentamente este post.
Este blogue presta um serviço
de utilidade pública.
Um abraço
Irene Alves