Quercus apela à escrita de postais contra o fecho do
correios
20 de Julho de 2011
Adelaide Chichorro Ferreira
Presidente do núcleo de Coimbra da Quercus
No dia 16 de Julho de 2011 o Núcleo
de Coimbra da Quercus organizou uma campanha-surpresa contra a política de
encerramento de Estações de Correios, chamando a atenção para um exemplo
concreto. Deslocámo-nos ao Jardim Botânico com um conjunto de postais da
Quercus, solicitando a quem ali se dirigia, fosse para visitar o jardim, fosse
para adquirir frutas e legumes no Mercadinho do Botânico, que escrevesse um
postal apelando ao não encerramento da estação dos Correios da zona da
Universidade. Usámos postais estampados com paisagens, anfíbios ou aves em
risco de extinção, editados pela Quercus. O público aderiu à campanha redigindo
mensagens solidárias, algumas em língua estrangeira, por turistas que ali
passavam. Uma delas punha o dedo na ferida: «Não ao encerramento do país real!».
A campanha constituiu uma surpresa
para quem acompanha as actividades da
Quercus, uma associação mais conhecida por intervir através dos meios de
comunicação social nacionais em prol das questões ambientais e de Conservação
da Natureza (floresta, biodiversidade, água, resíduos, ordenamento do
território, consumo), por isso importa esclarecer as razões que presidiram a
este gesto: não só a espontaneidade com que se manifesta a indignação está na natureza
do ser humano, também a escolha do local e do tema desta campanha estão em
sintonia para com os objectivos de conservação do nosso património natural,
particularmente neste Ano Internacional das Florestas. Apenas acrescentámos a
dimensão nova da preservação da comunicabilidade e também da língua, eventualmente
também no contacto com outras que com ela se cruzam. Daí a ideia de
recuperarmos o nosso antigo stock de postais: são muitas vezes eles que
levam até longe o que é próximo e que trazem o que está longe até perto de nós.
Mas quantas vezes não nos sentimos demasiado longe daquilo que gostaríamos de
ajudar a cuidar e a preservar? Que significa pensar global mas agir localmente?
Contra o encerramento de um posto de
correios, apelámos a que as pessoas voltassem a escrever postais, atividade
adequada numa altura em que muitos estão de férias e em que podemos usufruir da
sombra duma árvore ou dum banco de jardim para escrever a um amigo distante, a
um familiar, a um colega, etc. Podemos também ousar redigir postais artísticos
a pessoas que vivem na nossa casa mas que passámos a sentir como distantes. O
poder da escrita artesanal é imenso: recorrendo ecologicamente à mão,
exercitamos e aprimoramos a nossa caligrafia mas também a nossa mente. Nada
como fazer chegar às pessoas algo de palpável, que não se esvaia no mar de
carateres cibernéticos em que nos últimos anos mergulhámos, por razões tão
úteis quanto fúteis. Enviemos uns aos outros postais com imagens retemperadoras
da natureza e recuperemos assim a dignidade da língua que falamos. Não o
façamos, porém, como moda passageira mas apenas de vez em quando, e em locais
únicos, para ter mais significado. Guardados nos nossos sótãos, é possível que
mais tarde só reste este humilde papel, dos muitos que desempenhamos na vida.
Associamo-nos simbolicamente a quem
sofre as draconianas reestruturações verificadas ao nível das instituições do
nosso «país real». Podemos até compreender que existam muitas estações de
correio em locais demasiado próximos uns dos outros (na Praça da República há
um) e que seja necessário conferir racionalidade à oferta. No entanto, as
populações servidas, muitas vezes para fins profissionais de natureza
imperativa ou vital, devem ser ouvidas. Repugnam-nos decisões motivadas por
critérios de racionalidade económica de curto prazo, e por isso tentamos que
alguma visão estratégica da realidade seja incutida em gestores assoberbados
mas porventura insensíveis.
Poderão criticar-nos por assim se
aumentar o consumo de papel, e no ano Internacional das Florestas não
poderíamos ignorar este argumento. Diz-se cada vez mais que é urgente
desmaterializar a administração, com vista a diminuir custos com papel e
respetivo armazenamento. No entanto, é precisamente o aumento da utilização de
meios informáticos que tem vindo a facilitar um gasto excessivamente elevado de
recursos para efeitos não essenciais de puro marketing, como sucede com
muita embalagem de produtos ou com inúmeros folhetos perfeitamente
dispensáveis. É necessário canalizar
recursos para conferir a designers gráficos e a comunicadores o estatuto que
merecem, trabalhando para finalidades culturalmente mais enriquecedoras, ainda
em falta. Se for produzido e usado de forma sustentável, o papel é facilmente
compostável, reentrando sem dificuldade nos circuitos naturais de que
dependemos. Já o mesmo não sucede a muito material eletrónico que consumimos e
deitamos fora, sem que se disponha ainda, a nível global e local, de circuitos
eficazes de recolha e reciclagem.
Continua a ser necessário dizermos
aos outros que existimos e que nos lembramos deles. Mas quanto mais estamos em
frente ao computador, mais tendemos a escrever, até para nos saudarmos uns aos
outros e perdendo tempo precioso com ninharias. Em vez disso, porque não
re-unir e falar frente a frente? Em tempos de crise económica, sujeitos à
ditadura duma dívida tremenda para com o futuro, é também urgente repor o
equilíbrio que falta, tanto a nível local como global, usando o postal para
protestar contra a falta de memória que a incultura duma rapidez estonteante
nos impõe e recomeçando pelo mais primordial da escrita: o desenho e a
caligrafia, o gesto da mão, a escolha do papel ou tema, a atenção ao tempo que
tudo isso demora mas também, por analogia, ao crescimento vagaroso das árvores
autóctones, repelidas pelos vertiginosos 800 000 hectares de eucaliptos que a
produção de papel nos vem impondo nas últimas décadas como uso quase exclusivo
das terras do interior.
Quisemos portanto homenagear os
nossos quercus, sejam eles carvalhos, azinheiras ou sobreiros. Isto é,
tivemos em mente as árvores folhosas e os habitats que nelas prosperam. A
folhagem caída no Outono preserva os solos da erosão, protegendo os rios e
também as populações que junto deles habitam, mas porque também os livros têm
folhas, impunha-se-nos recordar que a cultura humana precisa da escrita para se
desenvolver plenamente, e que vertentes essenciais desse conhecimento se estão
a perder: com efeito, ainda saberemos escrever postais?
Juntemos o urgente ao agradável:
Coimbra é uma cidade de antigos e de atuais estudantes, que deveriam cuidar bem da floresta. O tempo
passado em trabalho braçal (voluntário ou não), realizado nas zonas declivosas
em volta das cidades ou nas terras cheias de silvas dos nossos avós pode e deve também dar origem, em intervalos
retemperadores, a belíssimos postais, verdadeiras obras de arte que a memória
deve saber preservar. Reaprendamos o valor do tempo para a floresta, e para a
comunicação, levando esta campanha de escrita e de envio de postais, deixados
no marco da estação de correios da Universidade e dirigidos à respetiva
administração (Rua Arco da Traição, Coimbra), até onde a imaginação e o bom
senso nos permitirem.