2013/05/08

Correios e país real: eis um texto já quase com dois anos, ainda na gaveta (ou será que chegou a sair no Diário de Coimbra?).





Quercus apela à escrita de postais contra o fecho do correios

20 de Julho de 2011

Adelaide Chichorro Ferreira
Presidente do núcleo de Coimbra da Quercus

            No dia 16 de Julho de 2011 o Núcleo de Coimbra da Quercus organizou uma campanha-surpresa contra a política de encerramento de Estações de Correios, chamando a atenção para um exemplo concreto. Deslocámo-nos ao Jardim Botânico com um conjunto de postais da Quercus, solicitando a quem ali se dirigia, fosse para visitar o jardim, fosse para adquirir frutas e legumes no Mercadinho do Botânico, que escrevesse um postal apelando ao não encerramento da estação dos Correios da zona da Universidade. Usámos postais estampados com paisagens, anfíbios ou aves em risco de extinção, editados pela Quercus. O público aderiu à campanha redigindo mensagens solidárias, algumas em língua estrangeira, por turistas que ali passavam. Uma delas punha o dedo na ferida: «Não ao encerramento do país real!».
            A campanha constituiu uma surpresa para quem acompanha as actividades da  Quercus, uma associação mais conhecida por intervir através dos meios de comunicação social nacionais em prol das questões ambientais e de Conservação da Natureza (floresta, biodiversidade, água, resíduos, ordenamento do território, consumo), por isso importa esclarecer as razões que presidiram a este gesto: não só a espontaneidade com que se manifesta a indignação está na natureza do ser humano, também a escolha do local e do tema desta campanha estão em sintonia para com os objectivos de conservação do nosso património natural, particularmente neste Ano Internacional das Florestas. Apenas acrescentámos a dimensão nova da preservação da comunicabilidade e também da língua, eventualmente também no contacto com outras que com ela se cruzam. Daí a ideia de recuperarmos o nosso antigo stock de postais: são muitas vezes eles que levam até longe o que é próximo e que trazem o que está longe até perto de nós. Mas quantas vezes não nos sentimos demasiado longe daquilo que gostaríamos de ajudar a cuidar e a preservar? Que significa pensar global mas agir localmente?
            Contra o encerramento de um posto de correios, apelámos a que as pessoas voltassem a escrever postais, atividade adequada numa altura em que muitos estão de férias e em que podemos usufruir da sombra duma árvore ou dum banco de jardim para escrever a um amigo distante, a um familiar, a um colega, etc. Podemos também ousar redigir postais artísticos a pessoas que vivem na nossa casa mas que passámos a sentir como distantes. O poder da escrita artesanal é imenso: recorrendo ecologicamente à mão, exercitamos e aprimoramos a nossa caligrafia mas também a nossa mente. Nada como fazer chegar às pessoas algo de palpável, que não se esvaia no mar de carateres cibernéticos em que nos últimos anos mergulhámos, por razões tão úteis quanto fúteis. Enviemos uns aos outros postais com imagens retemperadoras da natureza e recuperemos assim a dignidade da língua que falamos. Não o façamos, porém, como moda passageira mas apenas de vez em quando, e em locais únicos, para ter mais significado. Guardados nos nossos sótãos, é possível que mais tarde só reste este humilde papel, dos muitos que desempenhamos na vida.
            Associamo-nos simbolicamente a quem sofre as draconianas reestruturações verificadas ao nível das instituições do nosso «país real». Podemos até compreender que existam muitas estações de correio em locais demasiado próximos uns dos outros (na Praça da República há um) e que seja necessário conferir racionalidade à oferta. No entanto, as populações servidas, muitas vezes para fins profissionais de natureza imperativa ou vital, devem ser ouvidas. Repugnam-nos decisões motivadas por critérios de racionalidade económica de curto prazo, e por isso tentamos que alguma visão estratégica da realidade seja incutida em gestores assoberbados mas porventura insensíveis.
            Poderão criticar-nos por assim se aumentar o consumo de papel, e no ano Internacional das Florestas não poderíamos ignorar este argumento. Diz-se cada vez mais que é urgente desmaterializar a administração, com vista a diminuir custos com papel e respetivo armazenamento. No entanto, é precisamente o aumento da utilização de meios informáticos que tem vindo a facilitar um gasto excessivamente elevado de recursos para efeitos não essenciais de puro marketing, como sucede com muita embalagem de produtos ou com inúmeros folhetos perfeitamente dispensáveis. É  necessário canalizar recursos para conferir a designers gráficos e a comunicadores o estatuto que merecem, trabalhando para finalidades culturalmente mais enriquecedoras, ainda em falta. Se for produzido e usado de forma sustentável, o papel é facilmente compostável, reentrando sem dificuldade nos circuitos naturais de que dependemos. Já o mesmo não sucede a muito material eletrónico que consumimos e deitamos fora, sem que se disponha ainda, a nível global e local, de circuitos eficazes de recolha e reciclagem.
            Continua a ser necessário dizermos aos outros que existimos e que nos lembramos deles. Mas quanto mais estamos em frente ao computador, mais tendemos a escrever, até para nos saudarmos uns aos outros e perdendo tempo precioso com ninharias. Em vez disso, porque não re-unir e falar frente a frente? Em tempos de crise económica, sujeitos à ditadura duma dívida tremenda para com o futuro, é também urgente repor o equilíbrio que falta, tanto a nível local como global, usando o postal para protestar contra a falta de memória que a incultura duma rapidez estonteante nos impõe e recomeçando pelo mais primordial da escrita: o desenho e a caligrafia, o gesto da mão, a escolha do papel ou tema, a atenção ao tempo que tudo isso demora mas também, por analogia, ao crescimento vagaroso das árvores autóctones, repelidas pelos vertiginosos 800 000 hectares de eucaliptos que a produção de papel nos vem impondo nas últimas décadas como uso quase exclusivo das terras do interior.
            Quisemos portanto homenagear os nossos quercus, sejam eles carvalhos, azinheiras ou sobreiros. Isto é, tivemos em mente as árvores folhosas e os habitats que nelas prosperam. A folhagem caída no Outono preserva os solos da erosão, protegendo os rios e também as populações que junto deles habitam, mas porque também os livros têm folhas, impunha-se-nos recordar que a cultura humana precisa da escrita para se desenvolver plenamente, e que vertentes essenciais desse conhecimento se estão a perder: com efeito, ainda saberemos escrever postais?
            Juntemos o urgente ao agradável: Coimbra é uma cidade de antigos e de atuais estudantes,  que deveriam cuidar bem da floresta. O tempo passado em trabalho braçal (voluntário ou não), realizado nas zonas declivosas em volta das cidades ou nas terras cheias de silvas dos nossos avós  pode e deve também dar origem, em intervalos retemperadores, a belíssimos postais, verdadeiras obras de arte que a memória deve saber preservar. Reaprendamos o valor do tempo para a floresta, e para a comunicação, levando esta campanha de escrita e de envio de postais, deixados no marco da estação de correios da Universidade e dirigidos à respetiva administração (Rua Arco da Traição, Coimbra), até onde a imaginação e o bom senso nos permitirem.

1 comentário:

Tétisq disse...

muito a propósito do momento actual os CTT preparam-se para fechar cerca de 70 postos em todo o país. Mais preocupante do que as que fecham em Coimbra que têm sempre outra próxima são as zonas rurais, as pequenas aldeias onde os mais velhos têm nas cartas a única forma de saber novas dos seus emigrantes ou receber fotografias dos netos que não conhecem de outra forma...